domingo, 23 de outubro de 2011

Conto de Cabaré

Noite de sexta-feira, vinte e duas horas, centro de Londres. Esbelto e arrogante, um rapaz com seus 25 anos, usava um casaco negro que deslizava ao lado de suas pernas. Andava rapidamente, era inverno. Ele passa pelas ruas de Soho, observando os  “pubs” cheios de pessoas fugindo da noite gélida.

David gostava do inverno, podia usar seus mais pesados e caros casacos. Nariz reto e olhos certos, ele passava pela multidão sem problemas. Nas ruas mais escuras pôde ver os holofotes de néon, vermelhos cor de sangue que traçavam, entre outras palavras, uma mais chamativa: Cabaré. Mãos suaves ajeitam o cabelo platinado, então se dá conta de que não sabe exatamente o que está fazendo ali. Cabaré. O vermelho inundou os pensamentos de David, e quando se deu por si, já estava na porta do tal lugar. Uma linda jovem loira o recebeu.

-­ Seja bem vindo, senhor...?

- Collins. David Collins.

David olhou ao redor, a luz grená fazia com que o lugar parecesse menor do que era e por isso mais aconchegante. Homens de várias idades usavam ternos caros, e conversavam com damas bem vestidas, mas para outra época. Todos estavam à vontade em meio à luz de sombras, pareciam se divertir com amantes de longa data, que sorriam, mas não se deixavam tocar.

No camarim uma moça via-se no espelho. Lábios carnudos pintados de vermelho, entreabertos de maneira tentadora. Nariz perfeitamente construído, pele alva com algumas sardas. Deixou seus longos e bem delineados cachos ruivos caindo em forma de cascata por suas costas nuas naquele vestido também vermelho. O vermelho era a sua cor, sua essência, encaixando-se nela perfeitamente.

A única coisa que não se encaixava em toda essa perfeição eram seus olhos tristemente delineados. O quê ainda fazia ali? Pegou seu leque e seguiu para o salão. Descia do palco com olhos amarguradamente provocantes, o salão silenciou-se sem fôlego. Uma beleza triste que fazia o sangue ferver. Tão perfeita, mas tão amarga. Não queria estar ali, nunca quis, mas mentiu a si mesma.

Com um gesto, David pediu que aquela moça fosse sua. Um senhor dirigiu-se a ele e lhe informou o preço. Pagou. Era dele. Olhos invejosos fitavam o rapaz enquanto ele se dirigia ao centro do salão para alcançar sua dama.

Com o leque em suas mãos, ela aguardava. Viu o rapaz se levantar e agradeceu por não ser outro velhote. Com a aproximação ela sentiu como se estivesse caindo de um edifício. Seus olhos não estavam mais amargos e sim envergonhados. Ela sabia quem ele era. Ele não devia estar lá.

Estendeu sua mão à moça e viu-a recear por um breve segundo. Beijou-lhe os dedos. Trouxe-a mais perto e colocou a mão direita em sua cintura. São oito passos, lembrou enquanto dançavam pelo salão. David sentia-se cada vez mais preso à música e a mulher que, com peso de penas, carregava. O perfume adocicado inebriava seus pensamentos. Via que ela o espiava com olhares desconfiados.

Eis que, enquanto a dama deslizava com um dos pés para o chão, mas não deixando de fitar o parceiro, David balança a cabeça em negação. Não pode ser. Enquanto a dama subia em sua direção à única palavra que pode dizer foi: “Rachel”. Os olhos da dita cuja baixaram de vergonha por um segundo, mas levantaram-se com um falso orgulho, nunca se deixando abalar. Era ela. Forte, quente, destrutiva e avassaladora como o fogo. David a fitava incredulamente. O que ela fazia ali? Sentiu nojo do que sentia. A moça percebeu.

Ao terminar a canção ela acenou com a cabeça e seguiu em direção à varanda. David ainda estava sem palavras, mas a seguiu. Rachel apoiava um dos cotovelos no mármore da sacada. Com a outra mão fumava um cigarro preto, apoiado em uma piteira. Seus olhos não desviavam dos olhos do rapaz. David estava num estado de fúria, parado na entrada da varanda se repudiava pelo desejo incontrolável que sentia por aquela maldita.

- Por que faz isso? - Perguntou mantendo a postura e não mostrando a raiva dentro de si.

- É meu trabalho. - Ela respondeu friamente. A primeira vez que cedia ao jovem o prazer de ouvir sua voz.

Estavam sozinhos no lugar. David se aproximou de Rachel, relutando a cada passo que dava. Ela batia com as unhas muito bem feitas em sua piteira e a cinza caia do cigarro na outra ponta. Ele reparou.

- Aceita um? - A moça perguntou provocante, tirando o maço de cigarros da pequena bolsa que carregava.

David pegou depressa, mas antes de conseguir tirar seu isqueiro do bolso Rachel segurava o seu aceso. Ficaram por algum tempo trocando olhares em silêncio. Desejo era visto nos dois.

- Ao entrar neste lugar, você seria a última pessoa a qual eu pensaria que fosse encontrar. - Comentou David com desdém. - Sabia que você tinha largado sua família, e agora eu me pergunto por quê.

- Uma história que eu não preciso lembrar então você não precisa voltar a esse assunto. - Ela desviou o olhar, não queria demonstrar fraqueza perto dele apenas por terem chegado nesse assunto.

- Ele te deixou? Ou foi você? - Insistiu o loiro de maneira arrogante, tornando a se aproximar dela.

- Foi ele. - Ela confessou, virando-se para contemplar a paisagem. David apoiou-se no mármore ao lado da jovem. Ainda não tinha desistido.

- Por isso que você largou tudo?

Uma longa pausa com apenas o uivo do vento quebrando o encanto do silêncio, até ela decidir responder.

- Minha família o defendeu mesmo sabendo que ele estava errado. Chamaram-me de paranoica e rancorosa, mas eu tenho certeza que não sou a única que não perdoo traição. - Ela falava tentando ao máximo parecer que não se importava com isso.

David se aproximou dela e puxou seu rosto com a mão como se fosse seu dono. Rachel balançou a cabeça para afastá-lo.

- Mas se foi ele que te deixou, porque sua família ficou contra você?

O loiro não iria desistir de entender toda história, e fazia tanto tempo que ela não falava sobre o assunto. Com quem iria conversar sobre isso? Mesmo estando há muito tempo longe da sua antiga vida, Rachel não tinha esquecido nenhum detalhe do que tinha se passado.

- Ele me traiu, e eu terminei com ele. Eu queria perdoá-lo, mas não conseguia. Eu o humilhei muito por ter feito aquilo comigo. Quando, finalmente, consegui esquecer o que ele tinha feito, ele não me quis mais. Minha família sempre esteve ao lado dele, me lembrando de tudo o que ele já tinha feito por nós.

Ela tinha olhos rancorosos. Rachel achou que tudo o que tinha falado iria satisfazer a curiosidade de David, mas ela estava enganada. Era de sua natureza fazer os outros sentirem-se mal.

- Quem era a moça com quem ele te traiu?

 O corpo da ruiva ficou tenso e ela fechou os punhos. Estava com raiva. David sabia que aquilo era o que mais a incomodava. Não desviou os olhos dela, exigindo uma resposta. Desta vez Rachel não respondeu. A dama acenou elegantemente com a mão e um garçom veio os atender. Ela sugeriu “cuba-libre”, ele aceitou. Sorriu e virou-se para o rapaz.

- Onde você aprendeu a dançar? - Rachel mudou completamente de assunto, e nada melhor que ironia para fazer David não reparar.

- Há muitas coisas que vocês não entendem. Minha família sempre foi convidada a inúmeras festas importantes, por isso eu aprendi a dança muito novo. - Ele respondeu arrogantemente - É claro que você nunca soube disso. - Continuou o rapaz, mas antes que ele pudesse criticar a família da moça ela o interrompeu.

- Nós nunca fomos nesse tipo de festa, com pessoas arrogantes e pretensiosas, não me fez falta alguma, sabe?

David soltou uma gargalhada honesta ao ouvir Rachel defender a família da qual ela tinha fugido. Ela não resistiu e pôs-se a rir também. O garçom trouxe suas bebidas. Enquanto David tragava longamente de seu copo, Rachel brincava com o canudo do seu.

- Você aprendeu a dançar aqui? - David perguntou-a, ele tinha olhos maliciosos, que percorriam o corpo dela.

- Sim, aprendi muitas coisas aqui. - Ela respondeu à altura, usando o mesmo tom malicioso do rapaz.

David balançou a cabeça tentando afastar os pensamentos que voltavam a tomar conta de seu cérebro. Pensamentos eróticos e carnais. Respirou fundo e tomou mais um gole de seu copo. Rachel percebeu que a mão de David tremia. Ela sorriu.

Assim que o viu, pela primeira vez no Cabaré, Rachel pensou que tudo estava acabado. Ele contaria a Robert ou Phil onde ela estava só pelo prazer de magoá-los. Então eles dançaram, e aquela dança fez acender uma chama que há muito tempo não era acesa. Talvez, a razão, fosse por ele ser alguém conhecido, não mais um velhote horroroso. Talvez porque ela sabia que com ele não precisaria ser gentil e educada já que ela sabia que David esperava o contrário. Talvez fosse pelo prazer de machucar Phil. Afinal David sempre fora o inimigo de seu ex, nada melhor que dormir com ele para abrir um buraco no outro. O loiro não perderia a chance de contar tudo ao seu inimigo. Essa ideia voltou a sua cabeça, e ela sentiu-se ainda mais atraída por David.

- Vamos dançar. - Ela ordenou, sabia que se ficassem conversando por mais algum tempo, ela perderia a coragem, tudo iria mudar e sua família iria descobrir onde ela estava. Imprudência ou não, Rachel não queria saber.

Saíram da sacada e foram em direção ao salão. David tinha uma de suas mãos na cintura de Rachel, conduzindo-a ao meio da pista. Esperaram até uma nova música começar, olhando um para o outro. A canção começou num ritmo lento, então David trouxe a dama para perto de si. Rachel encostou sua testa na dele e dançaram. O ritmo oscilava entre lento e veloz, fazendo com que o desejo dos dois se acumulasse a cada passo. Olhar tenso, como deve ser. Troca de passos curtos e longos. Pernas se cruzando. Arrepio na nuca.

- Você não vai me dizer quem é ela? - Perguntou David no ouvido de Rachel, fazendo-a estremecer.

Ela separou-se dele, os dois dançavam sozinhos, mas seus olhos não se desviavam. David a perseguia, mas como numa boa milonga a dama não se deixaria levar tão facilmente. Ele a puxou por trás, encostando seu corpo no dela mais do que o necessário, e colocou as mãos em sua barriga. Rachel passou a mão nos cabelos do loiro.

- Você não vai me dizer? - Sussurrou novamente.

 A jovem se soltou de maneira brusca, mas nunca saindo do ritmo. Ela voltou em direção a David, corpos unidos, mãos entrelaçadas, testas coladas. Era o fim.

Saíram do salão para o segundo andar em segundos. Exalavam desejo, o que foi visto por todos. Aquele andar tinha a mesma iluminação fraca do salão, com vários quartos, até que no fim do corredor à esquerda Rachel abriu uma porta. David entrou e viu um quarto luxuoso, com uma cama grande de madeira escura. Havia do outro lado uma janela e a luz da lua entrava, era uma noite clara. Rachel foi a sua direção e David não viu mais nada. Só havia os dois no planeta.

David vestiu-se rapidamente. Olhou a moça deitada na cama enrolada nos lençóis. A pele alva e os cabelos ruivos contrastando com o preto da seda fez David esquecer o mundo. O que seria dela agora? Ela sabia que ele não perderia a chance de humilhar sua família, e mesmo assim dormiu com ele. Ele sentiria vergonha caso eles tivessem feito aquilo em outra circunstância, mas pagando, ela era como qualquer outra que ele já tinha pagado.

Não, ela não era como as outras. Em sua cabeça, a imagem de Rachel com lábios entreabertos, olhos virados, e músculos contraídos de pleno prazer voltou como uma erupção que ele não podia controlar. Seu corpo doía, ele massageava o pescoço com uma das mãos. Os gemidos da moça, as unhas cortando a pele de suas costas, a pressão de um corpo contra outro, o suor salgado, a pele macia, aquele perfume, e, o mais angustiante, a personalidade daquela mulher que ele odiava, mas inegavelmente ainda desejava, inundou sua mente.

David estremeceu de raiva. Ou de paixão. Não sabia. Balançou a cabeça, respirou fundo e saiu. Não voltaria ali, e mesmo que voltasse sabia que ela não estaria mais lá. Deixando o Cabaré, a luz do dia feriu seus olhos.


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Mais um que escrevi em meados de 2009. Bem mais sério e profundo do que o outro, concordam? ^^'

Bem, espero que gostem. Como eu disse na descrição, eu posso escrever de tudo, inclusive coisas um tanto mais pesadas, mais até do que este. Não se assustem, ok? hahaha

Beijos à todos! E comentários são sempre bem vindos, viu? ;**

domingo, 16 de outubro de 2011

Conto de Carnaval

Andressa se olhava no espelho procurando alguma falha em sua fantasia. Estava fantasia de colombina, mas uma fantasia bem mais moderna que a original.

Ao invés de uma grande máscara com penas e plumas para todos os lados, usava uma mini cartola preta, presa lateralmente no cabelo. Uma renda negra, quase transparente, vinha da base da cartola cobrindo uma parte de seu rosto. O cabelo castanho estava preso em parte e levemente cacheado, formando uma espécie de cascata nas suas costas.

Sua fantasia era de luxo. O corpete preto tinha fitas vermelhas amarrando em ziguezague na frente e nas laterais, deixando-a com a cintura bem marcada e o busto valorizado. A saia era preta e ia até um pouco acima do joelho, deixando aparecer um pouco do forro de tule vermelho que dava certo volume à roupa. Para completar, usava um scarpin preto.

Ela terminou de passar o batom vermelho fechado e se olhou uma ultima vez no espelho antes de sair de casa rumo ao salão de festas. É, a diretora realmente estava pirando de vez por fazer uma festa com tema de Baile de Carnaval, só para comemorar a formatura do dia anterior. A escola realmente deveria estar boiando em dinheiro.

Não queria ir nessa festa. Fato. Lucas, seu ex-namorado, que iria de arlequim, o par romântico da colombina, terminara tudo no dia anterior ao baile, e ambos não tiveram tempo para providenciar outra fantasia. Porque ela iria afinal? Sabia que ele não faltaria àquela festa por nada no mundo, mesmo não sendo um formando, apenas um convidado. SEU convidado. Mas Andressa conhecia bem seu ex, sabia que era um completo cara-de-pau e iria aparecer.

Entrou no salão e o encontrou cheio de serpentina e confete, afinal de contas era baile de carnaval. Ela sentia que todos tinham parado para ver sua entrada quando chegou às escadas. Abriu um sorriso maldoso, ao ver Lucas paralisar quando seus olhares se encontraram. Depois daquele momento decidiu se divertir. Muito!

Dançou, cantou, bebeu, e festejou com Júlia, Alice e Clarissa, suas melhores amigas, como nunca havia feito antes. A todo o momento sentia olhos cobiçosos em cima de si.

- Ahh, Dêssa! Fica quieta um pouco! – disse Clarissa após se sentar em uma mesa – Você não parou um segundo desde que chegou! Cansamos! Vamos relaxar um minutinho...

- Ai gente, que falta de pique! Vou dar uma volta então, ta? – Andressa disse e saiu andando ao ver as garotas concordar com a cabeça.

Estava caminhando pela festa quando sentiu uma mão em seu ombro. Virou-se e encontrou Lucas sorrindo maliciosamente para ela.

- O que quer? – Perguntou grossa.

- Está linda, Dêssinha! – Disse ele, cortejando-a e ignorando a grosseria – Nem veio falar comigo.

Andressa apenas levantou a sobrancelha para ele.

- Sabia que você é a colombina mais linda do baile? – Perguntou Lucas, galante.

- Lucas, eu sou a única colombina do baile – A garota disse como se ele fosse retardado.

Ele se limitou a sorrir para ela. Não tinha uma resposta. Puxou ela pra perto e colocou suas mãos possessivamente na cintura desta.

- O que você pensa que está fazendo?! – Ela perguntou. Seus olhos cor de mel brilhavam muito e pareciam escurecer a cada segundo em que as mãos dele continuavam a segura-la.

- Eu penso que, como um bom arlequim, beijarei a minha colombina! – Ele disse se aproximando mais.

Pobre Lucas. Cometera um erro fatal: fechou os olhos. Se os tivesse deixado abertos teria visto os olhos da morena adquirirem um brilho extremamente assassino.

A garota sentiu toda sua raiva que ardia como fogo dentro dela passando das bordas do limite. O resultado? Um arlequim, mais conhecido como Lucas, provavelmente incapacitado de ter filhos para o resto da vida.

Saiu a passos largos do salão e sentou-se no jardim do lado de fora, que estava divinamente decorado inclusive com banquinhos estilizados, num dos quais ela se sentou.

A morena se recusava a chorar, mais quem disse que a maldita da lágrima a obedecia? Uma fina gota rolou pelo seu rosto e alguém a estendeu um lenço. Ela aceitou e delicadamente secou o rosto para, somente então, levantá-lo e dar de cara com um rapaz muito moreno, apesar da sua fantasia aparentemente enganar isso.

Seu rosto estava totalmente branco e embaixo de seu olho esquerdo uma lágrima preta fora desenhada. Ele vestia uma camisa branca de tecido fino e mangas longas com babados nas pontas.  Na camisa foram desenhadas cartas de baralho, principalmente as cartas do rei e da rainha, de vários naipes. Usava uma calça “balofa” e preta, como o chapéu da onde saia uma única pena emplumada, sendo esta branca como o sapato e as luvas que completavam a fantasia. Fantasia esta que demorou uns segundos para a garota reconhecer.

- Um... Pierrô? – Andressa ficou estudando o pierrô a sua frente por mais alguns segundos, antes de arregalar os olhos e abrir a boca em espanto. Era ele?

O pierrô sorriu levemente e, com aquele sorriso, ela teve certeza de que era seu amigo Rodrigo Dantes, vestido de pierrô apaixonado.

- Colombina. – Disse Rodrigo teatralmente inclinando-se numa reverência e tomando sua mão para beijar de leve.

Andressa parecia não entender o que se passava ali. E na verdade ela realmente não entendia. Uma hora ele era o simples amigo que nunca havia chamado atenção da garota; na outra estava vestido de pierrô, muito gato por sinal, na sua frente beijando sua mão delicadamente. O internem num hospício! Ele estava louco! Rodrigo continuava segurando sua mão e agora a olhava intensamente.

- Rodrigo? – Ela perguntou apenas para ter certeza de que não estava tendo ilusões.

- Andressa? – Ele respondeu rindo e mantendo um joguinho de palavras. Estava adorando ver a cara de espanto da garota.

- O que significa essa fantasia? – A garota perguntou depois que se recuperou do seu estado de choque.

- Um pierrô apaixonado? – Rodrigo perguntou erguendo a sobrancelha e aproximando mais o seu rosto ao da garota. Delicadamente passou a mão pelo rosto dela, que o olhava sem palavras com a boca entreaberta.

Sem aviso prévio segurou-a pela cintura e puxou a garota para si, fazendo a mesma levantar-se de repente. Com o susto do movimento repentino, ela quase caiu por cima do rapaz, precisando se apoiar no peitoral do mesmo, fazendo com que ficassem extremamente próximos. Ele a olhou com falsa inocência e ela sentiu suas bochechas pinicarem de constrangimento.

- Um pierrô tarado, você quer dizer! – Ela retrucou, porém sem conseguir desviar o olhar ou se mexer para sair daquela proximidade com ele.

- Como se você fosse uma colombina muito comportada! – Ele exclamou olhando sem pudor nenhum para o decote valorizado na fantasia da garota. Uma das mãos que estava apoiada na cintura dela passou a brincar com o laço que amarrava o corpete e ele se inclinou para perto  do ouvido da morena, sussurrando.

- Além do que, nós pierrôs, somos tarados apenas por colombinas! – Afastou o rosto e olhou para ela com um sorriso de “eu venci”, encerrando a cena tão programada por ele.

Andressa, que ficara extremamente vermelha com o primeiro comentário do rapaz, sentiu pequenos arrepios por toda sua espinha com o último, não evitando um suspiro baixo, fechando os olhos. Recuperando-se, abriu os olhos e retrucou, sem vacilar.

- Acho que não te contaram a historia toda, meu caro pierrô... – Disse tranquilamente enquanto retirava as mãos dele de sua cintura. Ele arqueou a sobrancelha mais uma vez, primeiro pelo comentário estranho e segundo pelo modo como ela o chamou. – Nós colombinas, só nos apaixonamos por arlequins.

Rodrigo ficou estranhamente rígido. Detestara o ultimo comentário, desnecessário em sua opinião. Que raios! Ela nunca esqueceria o traste do Lucas?!

- É uma colombina desiludida então. – Comentou com a voz cheia de veneno

- Por que diz isso? – Perguntou confusa e levemente ofendida.

- Seu querido arlequim parece não se interessar por colombinas não é mesmo? – Lucas rebateu, sorrindo maldosamente.

- Não é como se essa colombina se importasse com aquele arlequim! – Ela respondeu indiferente, pois afinal, não passava de verdade.

- Portanto, você é uma colombina desiludida! – Ele determinou, sorrindo como sempre.

Andressa revirou os olhos, a verdade é que a muito se perdera por outro, e ele definitivamente não era um arlequim. Pena que demorara tanto para assimilar isso. Mas tomaria providencias quanto a tal naquela noite. Ah se iria.

- E posso saber por que você esta fantasiado de pierrô? – Perguntou.

- Achei que as morenas fossem espertas! – Exclamou ele. Não perderia nunca a chance de irritá-la.

- Morenas são. – Respondeu Andressa levemente indignada – Colombinas não!

- E posso saber por que colombinas não são espertas? – Ele perguntou, genuinamente surpreendido pela resposta.

- Porque se apaixonam por arlequins. – Respondeu simplesmente. Mas antes que ele pudesse responder, complementou – Pierrôs são melhores.

Rodrigo piscou duas vezes antes de compreender. A noite estava indo melhor do que o  esperado.

- E posso saber que pierrô você conheceu que era tão melhor assim que um arlequim? – Ele jamais perderia a chance de ver Andressa Borges dar o braço a torcer e admitir que ele era melhor do que o maldito Lucas.

- Humm... – A castanha fingiu pensar um pouco para depois fixar seus olhos cor de mel nos profundamente negros de Rodrigo – Talvez este bem na minha frente?

Andressa vinha observando Rodrigo a algumas semanas de forma muito diferente do que a de “apenas amigo”. Percebeu que o moreno não era aquilo que ela pensava e ouvia dos outros. Comparado a Lucas, que todos sempre comparavam com o “príncipe dos sonhos”, ele era o anti-herói da história. E Andressa, sempre preferiu os anti-heróis.

Uma vez, quando criança, sua mãe lhe contava um conto de fadas, e ela lhe perguntou por que as princesas nunca ficavam com o “bandido”. Sua mãe lhe dissera que era porque eles eram do mau. Mas ela nunca acreditou nisso. Sempre achou que para um homem chegar ao ponto de seqüestrar uma moça era porque era perdidamente apaixonado por ela, mesmo que usasse outros motivos para justificar o seqüestro. Outra verdade, ela sempre quis ser seqüestrada pelo “bandido”.

Rodrigo não pensou nem por meio segundo antes de dizer.

- Você não faz a menor idéia do porque de eu estar de pierrô?

- Você é imprevisível. – Ela pontuou – Como quer que eu saiba?

- Você ainda é morena, querida colombina! – Rodrigo zombou. Tinha a ligeira impressão de que ela queria que ele dissesse com todas as letras o porquê da fantasia. E tinha uma impressão maior ainda de que ela com toda a certeza já sabia.

- Você ainda é imprevisível, querido pierrô! – Andressa o imitou. Queria se deliciar com as palavras dele ao dizer que a fantasia era para ela. Ou, cavar um buraco ate a China se ele dissesse o contrário.

- Por causa de uma colombina morena, que é apaixonada por um arlequim estúpido, e como na história, no final o pierrô apaixonado vai chorar por não ficar com a colombina. – Rodrigo disse afastando-se ligeiramente dela e olhando para os pés. Sentia-se inseguro de repente ao expor seus sentimentos de forma tão clara, sem ter total certeza de ser correspondido.

- Você ouviu quando eu disse que colombinas eram burras por não ficarem com os pierrôs? – Andressa perguntou quase saltitante de felicidade, enquanto postava-se bem próxima a ele, levantando seu rosto para que a olhasse nos olhos. – Porque se não ouviu, eu posso repetir, meu querido pierrô.

Rodrigo sorriu para ela antes de puxá-la para o beijo tão esperado. Passaram um bom tempo nos jardins curtindo o momento a sós antes de resolverem voltar ao baile e mostrar para todos que aquela história de carnaval teria um fim diferente. Afinal de contas, ela era uma colombina, mas ainda assim ficaria com o pierrô e escreveriam, juntos, uma nova vertente para aquele conto de carnaval.



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Meu primeiro conto, escrito para um projeto da escola ainda no meu primeiro ano (2009). 

Meio bobinho, mas não quis mudar muita coisa, mesmo que agora sinta um tanto de vergonha ao pensar que escrevi isso hahaha Mas ninguém começa já com contos geniais, não é mesmo? 

Então vou seguir a ordem dos contos que tenho salvo aqui, começando pelos mais antigos até  chegar nos de hoje, dos quais me orgulho mais. Espero que tenham paciência até lá!

Um beijão a todos! Por favor deixem comentários, sim? hehe ;**