domingo, 23 de outubro de 2011

Conto de Cabaré

Noite de sexta-feira, vinte e duas horas, centro de Londres. Esbelto e arrogante, um rapaz com seus 25 anos, usava um casaco negro que deslizava ao lado de suas pernas. Andava rapidamente, era inverno. Ele passa pelas ruas de Soho, observando os  “pubs” cheios de pessoas fugindo da noite gélida.

David gostava do inverno, podia usar seus mais pesados e caros casacos. Nariz reto e olhos certos, ele passava pela multidão sem problemas. Nas ruas mais escuras pôde ver os holofotes de néon, vermelhos cor de sangue que traçavam, entre outras palavras, uma mais chamativa: Cabaré. Mãos suaves ajeitam o cabelo platinado, então se dá conta de que não sabe exatamente o que está fazendo ali. Cabaré. O vermelho inundou os pensamentos de David, e quando se deu por si, já estava na porta do tal lugar. Uma linda jovem loira o recebeu.

-­ Seja bem vindo, senhor...?

- Collins. David Collins.

David olhou ao redor, a luz grená fazia com que o lugar parecesse menor do que era e por isso mais aconchegante. Homens de várias idades usavam ternos caros, e conversavam com damas bem vestidas, mas para outra época. Todos estavam à vontade em meio à luz de sombras, pareciam se divertir com amantes de longa data, que sorriam, mas não se deixavam tocar.

No camarim uma moça via-se no espelho. Lábios carnudos pintados de vermelho, entreabertos de maneira tentadora. Nariz perfeitamente construído, pele alva com algumas sardas. Deixou seus longos e bem delineados cachos ruivos caindo em forma de cascata por suas costas nuas naquele vestido também vermelho. O vermelho era a sua cor, sua essência, encaixando-se nela perfeitamente.

A única coisa que não se encaixava em toda essa perfeição eram seus olhos tristemente delineados. O quê ainda fazia ali? Pegou seu leque e seguiu para o salão. Descia do palco com olhos amarguradamente provocantes, o salão silenciou-se sem fôlego. Uma beleza triste que fazia o sangue ferver. Tão perfeita, mas tão amarga. Não queria estar ali, nunca quis, mas mentiu a si mesma.

Com um gesto, David pediu que aquela moça fosse sua. Um senhor dirigiu-se a ele e lhe informou o preço. Pagou. Era dele. Olhos invejosos fitavam o rapaz enquanto ele se dirigia ao centro do salão para alcançar sua dama.

Com o leque em suas mãos, ela aguardava. Viu o rapaz se levantar e agradeceu por não ser outro velhote. Com a aproximação ela sentiu como se estivesse caindo de um edifício. Seus olhos não estavam mais amargos e sim envergonhados. Ela sabia quem ele era. Ele não devia estar lá.

Estendeu sua mão à moça e viu-a recear por um breve segundo. Beijou-lhe os dedos. Trouxe-a mais perto e colocou a mão direita em sua cintura. São oito passos, lembrou enquanto dançavam pelo salão. David sentia-se cada vez mais preso à música e a mulher que, com peso de penas, carregava. O perfume adocicado inebriava seus pensamentos. Via que ela o espiava com olhares desconfiados.

Eis que, enquanto a dama deslizava com um dos pés para o chão, mas não deixando de fitar o parceiro, David balança a cabeça em negação. Não pode ser. Enquanto a dama subia em sua direção à única palavra que pode dizer foi: “Rachel”. Os olhos da dita cuja baixaram de vergonha por um segundo, mas levantaram-se com um falso orgulho, nunca se deixando abalar. Era ela. Forte, quente, destrutiva e avassaladora como o fogo. David a fitava incredulamente. O que ela fazia ali? Sentiu nojo do que sentia. A moça percebeu.

Ao terminar a canção ela acenou com a cabeça e seguiu em direção à varanda. David ainda estava sem palavras, mas a seguiu. Rachel apoiava um dos cotovelos no mármore da sacada. Com a outra mão fumava um cigarro preto, apoiado em uma piteira. Seus olhos não desviavam dos olhos do rapaz. David estava num estado de fúria, parado na entrada da varanda se repudiava pelo desejo incontrolável que sentia por aquela maldita.

- Por que faz isso? - Perguntou mantendo a postura e não mostrando a raiva dentro de si.

- É meu trabalho. - Ela respondeu friamente. A primeira vez que cedia ao jovem o prazer de ouvir sua voz.

Estavam sozinhos no lugar. David se aproximou de Rachel, relutando a cada passo que dava. Ela batia com as unhas muito bem feitas em sua piteira e a cinza caia do cigarro na outra ponta. Ele reparou.

- Aceita um? - A moça perguntou provocante, tirando o maço de cigarros da pequena bolsa que carregava.

David pegou depressa, mas antes de conseguir tirar seu isqueiro do bolso Rachel segurava o seu aceso. Ficaram por algum tempo trocando olhares em silêncio. Desejo era visto nos dois.

- Ao entrar neste lugar, você seria a última pessoa a qual eu pensaria que fosse encontrar. - Comentou David com desdém. - Sabia que você tinha largado sua família, e agora eu me pergunto por quê.

- Uma história que eu não preciso lembrar então você não precisa voltar a esse assunto. - Ela desviou o olhar, não queria demonstrar fraqueza perto dele apenas por terem chegado nesse assunto.

- Ele te deixou? Ou foi você? - Insistiu o loiro de maneira arrogante, tornando a se aproximar dela.

- Foi ele. - Ela confessou, virando-se para contemplar a paisagem. David apoiou-se no mármore ao lado da jovem. Ainda não tinha desistido.

- Por isso que você largou tudo?

Uma longa pausa com apenas o uivo do vento quebrando o encanto do silêncio, até ela decidir responder.

- Minha família o defendeu mesmo sabendo que ele estava errado. Chamaram-me de paranoica e rancorosa, mas eu tenho certeza que não sou a única que não perdoo traição. - Ela falava tentando ao máximo parecer que não se importava com isso.

David se aproximou dela e puxou seu rosto com a mão como se fosse seu dono. Rachel balançou a cabeça para afastá-lo.

- Mas se foi ele que te deixou, porque sua família ficou contra você?

O loiro não iria desistir de entender toda história, e fazia tanto tempo que ela não falava sobre o assunto. Com quem iria conversar sobre isso? Mesmo estando há muito tempo longe da sua antiga vida, Rachel não tinha esquecido nenhum detalhe do que tinha se passado.

- Ele me traiu, e eu terminei com ele. Eu queria perdoá-lo, mas não conseguia. Eu o humilhei muito por ter feito aquilo comigo. Quando, finalmente, consegui esquecer o que ele tinha feito, ele não me quis mais. Minha família sempre esteve ao lado dele, me lembrando de tudo o que ele já tinha feito por nós.

Ela tinha olhos rancorosos. Rachel achou que tudo o que tinha falado iria satisfazer a curiosidade de David, mas ela estava enganada. Era de sua natureza fazer os outros sentirem-se mal.

- Quem era a moça com quem ele te traiu?

 O corpo da ruiva ficou tenso e ela fechou os punhos. Estava com raiva. David sabia que aquilo era o que mais a incomodava. Não desviou os olhos dela, exigindo uma resposta. Desta vez Rachel não respondeu. A dama acenou elegantemente com a mão e um garçom veio os atender. Ela sugeriu “cuba-libre”, ele aceitou. Sorriu e virou-se para o rapaz.

- Onde você aprendeu a dançar? - Rachel mudou completamente de assunto, e nada melhor que ironia para fazer David não reparar.

- Há muitas coisas que vocês não entendem. Minha família sempre foi convidada a inúmeras festas importantes, por isso eu aprendi a dança muito novo. - Ele respondeu arrogantemente - É claro que você nunca soube disso. - Continuou o rapaz, mas antes que ele pudesse criticar a família da moça ela o interrompeu.

- Nós nunca fomos nesse tipo de festa, com pessoas arrogantes e pretensiosas, não me fez falta alguma, sabe?

David soltou uma gargalhada honesta ao ouvir Rachel defender a família da qual ela tinha fugido. Ela não resistiu e pôs-se a rir também. O garçom trouxe suas bebidas. Enquanto David tragava longamente de seu copo, Rachel brincava com o canudo do seu.

- Você aprendeu a dançar aqui? - David perguntou-a, ele tinha olhos maliciosos, que percorriam o corpo dela.

- Sim, aprendi muitas coisas aqui. - Ela respondeu à altura, usando o mesmo tom malicioso do rapaz.

David balançou a cabeça tentando afastar os pensamentos que voltavam a tomar conta de seu cérebro. Pensamentos eróticos e carnais. Respirou fundo e tomou mais um gole de seu copo. Rachel percebeu que a mão de David tremia. Ela sorriu.

Assim que o viu, pela primeira vez no Cabaré, Rachel pensou que tudo estava acabado. Ele contaria a Robert ou Phil onde ela estava só pelo prazer de magoá-los. Então eles dançaram, e aquela dança fez acender uma chama que há muito tempo não era acesa. Talvez, a razão, fosse por ele ser alguém conhecido, não mais um velhote horroroso. Talvez porque ela sabia que com ele não precisaria ser gentil e educada já que ela sabia que David esperava o contrário. Talvez fosse pelo prazer de machucar Phil. Afinal David sempre fora o inimigo de seu ex, nada melhor que dormir com ele para abrir um buraco no outro. O loiro não perderia a chance de contar tudo ao seu inimigo. Essa ideia voltou a sua cabeça, e ela sentiu-se ainda mais atraída por David.

- Vamos dançar. - Ela ordenou, sabia que se ficassem conversando por mais algum tempo, ela perderia a coragem, tudo iria mudar e sua família iria descobrir onde ela estava. Imprudência ou não, Rachel não queria saber.

Saíram da sacada e foram em direção ao salão. David tinha uma de suas mãos na cintura de Rachel, conduzindo-a ao meio da pista. Esperaram até uma nova música começar, olhando um para o outro. A canção começou num ritmo lento, então David trouxe a dama para perto de si. Rachel encostou sua testa na dele e dançaram. O ritmo oscilava entre lento e veloz, fazendo com que o desejo dos dois se acumulasse a cada passo. Olhar tenso, como deve ser. Troca de passos curtos e longos. Pernas se cruzando. Arrepio na nuca.

- Você não vai me dizer quem é ela? - Perguntou David no ouvido de Rachel, fazendo-a estremecer.

Ela separou-se dele, os dois dançavam sozinhos, mas seus olhos não se desviavam. David a perseguia, mas como numa boa milonga a dama não se deixaria levar tão facilmente. Ele a puxou por trás, encostando seu corpo no dela mais do que o necessário, e colocou as mãos em sua barriga. Rachel passou a mão nos cabelos do loiro.

- Você não vai me dizer? - Sussurrou novamente.

 A jovem se soltou de maneira brusca, mas nunca saindo do ritmo. Ela voltou em direção a David, corpos unidos, mãos entrelaçadas, testas coladas. Era o fim.

Saíram do salão para o segundo andar em segundos. Exalavam desejo, o que foi visto por todos. Aquele andar tinha a mesma iluminação fraca do salão, com vários quartos, até que no fim do corredor à esquerda Rachel abriu uma porta. David entrou e viu um quarto luxuoso, com uma cama grande de madeira escura. Havia do outro lado uma janela e a luz da lua entrava, era uma noite clara. Rachel foi a sua direção e David não viu mais nada. Só havia os dois no planeta.

David vestiu-se rapidamente. Olhou a moça deitada na cama enrolada nos lençóis. A pele alva e os cabelos ruivos contrastando com o preto da seda fez David esquecer o mundo. O que seria dela agora? Ela sabia que ele não perderia a chance de humilhar sua família, e mesmo assim dormiu com ele. Ele sentiria vergonha caso eles tivessem feito aquilo em outra circunstância, mas pagando, ela era como qualquer outra que ele já tinha pagado.

Não, ela não era como as outras. Em sua cabeça, a imagem de Rachel com lábios entreabertos, olhos virados, e músculos contraídos de pleno prazer voltou como uma erupção que ele não podia controlar. Seu corpo doía, ele massageava o pescoço com uma das mãos. Os gemidos da moça, as unhas cortando a pele de suas costas, a pressão de um corpo contra outro, o suor salgado, a pele macia, aquele perfume, e, o mais angustiante, a personalidade daquela mulher que ele odiava, mas inegavelmente ainda desejava, inundou sua mente.

David estremeceu de raiva. Ou de paixão. Não sabia. Balançou a cabeça, respirou fundo e saiu. Não voltaria ali, e mesmo que voltasse sabia que ela não estaria mais lá. Deixando o Cabaré, a luz do dia feriu seus olhos.


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Mais um que escrevi em meados de 2009. Bem mais sério e profundo do que o outro, concordam? ^^'

Bem, espero que gostem. Como eu disse na descrição, eu posso escrever de tudo, inclusive coisas um tanto mais pesadas, mais até do que este. Não se assustem, ok? hahaha

Beijos à todos! E comentários são sempre bem vindos, viu? ;**

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