domingo, 16 de outubro de 2011

Conto de Carnaval

Andressa se olhava no espelho procurando alguma falha em sua fantasia. Estava fantasia de colombina, mas uma fantasia bem mais moderna que a original.

Ao invés de uma grande máscara com penas e plumas para todos os lados, usava uma mini cartola preta, presa lateralmente no cabelo. Uma renda negra, quase transparente, vinha da base da cartola cobrindo uma parte de seu rosto. O cabelo castanho estava preso em parte e levemente cacheado, formando uma espécie de cascata nas suas costas.

Sua fantasia era de luxo. O corpete preto tinha fitas vermelhas amarrando em ziguezague na frente e nas laterais, deixando-a com a cintura bem marcada e o busto valorizado. A saia era preta e ia até um pouco acima do joelho, deixando aparecer um pouco do forro de tule vermelho que dava certo volume à roupa. Para completar, usava um scarpin preto.

Ela terminou de passar o batom vermelho fechado e se olhou uma ultima vez no espelho antes de sair de casa rumo ao salão de festas. É, a diretora realmente estava pirando de vez por fazer uma festa com tema de Baile de Carnaval, só para comemorar a formatura do dia anterior. A escola realmente deveria estar boiando em dinheiro.

Não queria ir nessa festa. Fato. Lucas, seu ex-namorado, que iria de arlequim, o par romântico da colombina, terminara tudo no dia anterior ao baile, e ambos não tiveram tempo para providenciar outra fantasia. Porque ela iria afinal? Sabia que ele não faltaria àquela festa por nada no mundo, mesmo não sendo um formando, apenas um convidado. SEU convidado. Mas Andressa conhecia bem seu ex, sabia que era um completo cara-de-pau e iria aparecer.

Entrou no salão e o encontrou cheio de serpentina e confete, afinal de contas era baile de carnaval. Ela sentia que todos tinham parado para ver sua entrada quando chegou às escadas. Abriu um sorriso maldoso, ao ver Lucas paralisar quando seus olhares se encontraram. Depois daquele momento decidiu se divertir. Muito!

Dançou, cantou, bebeu, e festejou com Júlia, Alice e Clarissa, suas melhores amigas, como nunca havia feito antes. A todo o momento sentia olhos cobiçosos em cima de si.

- Ahh, Dêssa! Fica quieta um pouco! – disse Clarissa após se sentar em uma mesa – Você não parou um segundo desde que chegou! Cansamos! Vamos relaxar um minutinho...

- Ai gente, que falta de pique! Vou dar uma volta então, ta? – Andressa disse e saiu andando ao ver as garotas concordar com a cabeça.

Estava caminhando pela festa quando sentiu uma mão em seu ombro. Virou-se e encontrou Lucas sorrindo maliciosamente para ela.

- O que quer? – Perguntou grossa.

- Está linda, Dêssinha! – Disse ele, cortejando-a e ignorando a grosseria – Nem veio falar comigo.

Andressa apenas levantou a sobrancelha para ele.

- Sabia que você é a colombina mais linda do baile? – Perguntou Lucas, galante.

- Lucas, eu sou a única colombina do baile – A garota disse como se ele fosse retardado.

Ele se limitou a sorrir para ela. Não tinha uma resposta. Puxou ela pra perto e colocou suas mãos possessivamente na cintura desta.

- O que você pensa que está fazendo?! – Ela perguntou. Seus olhos cor de mel brilhavam muito e pareciam escurecer a cada segundo em que as mãos dele continuavam a segura-la.

- Eu penso que, como um bom arlequim, beijarei a minha colombina! – Ele disse se aproximando mais.

Pobre Lucas. Cometera um erro fatal: fechou os olhos. Se os tivesse deixado abertos teria visto os olhos da morena adquirirem um brilho extremamente assassino.

A garota sentiu toda sua raiva que ardia como fogo dentro dela passando das bordas do limite. O resultado? Um arlequim, mais conhecido como Lucas, provavelmente incapacitado de ter filhos para o resto da vida.

Saiu a passos largos do salão e sentou-se no jardim do lado de fora, que estava divinamente decorado inclusive com banquinhos estilizados, num dos quais ela se sentou.

A morena se recusava a chorar, mais quem disse que a maldita da lágrima a obedecia? Uma fina gota rolou pelo seu rosto e alguém a estendeu um lenço. Ela aceitou e delicadamente secou o rosto para, somente então, levantá-lo e dar de cara com um rapaz muito moreno, apesar da sua fantasia aparentemente enganar isso.

Seu rosto estava totalmente branco e embaixo de seu olho esquerdo uma lágrima preta fora desenhada. Ele vestia uma camisa branca de tecido fino e mangas longas com babados nas pontas.  Na camisa foram desenhadas cartas de baralho, principalmente as cartas do rei e da rainha, de vários naipes. Usava uma calça “balofa” e preta, como o chapéu da onde saia uma única pena emplumada, sendo esta branca como o sapato e as luvas que completavam a fantasia. Fantasia esta que demorou uns segundos para a garota reconhecer.

- Um... Pierrô? – Andressa ficou estudando o pierrô a sua frente por mais alguns segundos, antes de arregalar os olhos e abrir a boca em espanto. Era ele?

O pierrô sorriu levemente e, com aquele sorriso, ela teve certeza de que era seu amigo Rodrigo Dantes, vestido de pierrô apaixonado.

- Colombina. – Disse Rodrigo teatralmente inclinando-se numa reverência e tomando sua mão para beijar de leve.

Andressa parecia não entender o que se passava ali. E na verdade ela realmente não entendia. Uma hora ele era o simples amigo que nunca havia chamado atenção da garota; na outra estava vestido de pierrô, muito gato por sinal, na sua frente beijando sua mão delicadamente. O internem num hospício! Ele estava louco! Rodrigo continuava segurando sua mão e agora a olhava intensamente.

- Rodrigo? – Ela perguntou apenas para ter certeza de que não estava tendo ilusões.

- Andressa? – Ele respondeu rindo e mantendo um joguinho de palavras. Estava adorando ver a cara de espanto da garota.

- O que significa essa fantasia? – A garota perguntou depois que se recuperou do seu estado de choque.

- Um pierrô apaixonado? – Rodrigo perguntou erguendo a sobrancelha e aproximando mais o seu rosto ao da garota. Delicadamente passou a mão pelo rosto dela, que o olhava sem palavras com a boca entreaberta.

Sem aviso prévio segurou-a pela cintura e puxou a garota para si, fazendo a mesma levantar-se de repente. Com o susto do movimento repentino, ela quase caiu por cima do rapaz, precisando se apoiar no peitoral do mesmo, fazendo com que ficassem extremamente próximos. Ele a olhou com falsa inocência e ela sentiu suas bochechas pinicarem de constrangimento.

- Um pierrô tarado, você quer dizer! – Ela retrucou, porém sem conseguir desviar o olhar ou se mexer para sair daquela proximidade com ele.

- Como se você fosse uma colombina muito comportada! – Ele exclamou olhando sem pudor nenhum para o decote valorizado na fantasia da garota. Uma das mãos que estava apoiada na cintura dela passou a brincar com o laço que amarrava o corpete e ele se inclinou para perto  do ouvido da morena, sussurrando.

- Além do que, nós pierrôs, somos tarados apenas por colombinas! – Afastou o rosto e olhou para ela com um sorriso de “eu venci”, encerrando a cena tão programada por ele.

Andressa, que ficara extremamente vermelha com o primeiro comentário do rapaz, sentiu pequenos arrepios por toda sua espinha com o último, não evitando um suspiro baixo, fechando os olhos. Recuperando-se, abriu os olhos e retrucou, sem vacilar.

- Acho que não te contaram a historia toda, meu caro pierrô... – Disse tranquilamente enquanto retirava as mãos dele de sua cintura. Ele arqueou a sobrancelha mais uma vez, primeiro pelo comentário estranho e segundo pelo modo como ela o chamou. – Nós colombinas, só nos apaixonamos por arlequins.

Rodrigo ficou estranhamente rígido. Detestara o ultimo comentário, desnecessário em sua opinião. Que raios! Ela nunca esqueceria o traste do Lucas?!

- É uma colombina desiludida então. – Comentou com a voz cheia de veneno

- Por que diz isso? – Perguntou confusa e levemente ofendida.

- Seu querido arlequim parece não se interessar por colombinas não é mesmo? – Lucas rebateu, sorrindo maldosamente.

- Não é como se essa colombina se importasse com aquele arlequim! – Ela respondeu indiferente, pois afinal, não passava de verdade.

- Portanto, você é uma colombina desiludida! – Ele determinou, sorrindo como sempre.

Andressa revirou os olhos, a verdade é que a muito se perdera por outro, e ele definitivamente não era um arlequim. Pena que demorara tanto para assimilar isso. Mas tomaria providencias quanto a tal naquela noite. Ah se iria.

- E posso saber por que você esta fantasiado de pierrô? – Perguntou.

- Achei que as morenas fossem espertas! – Exclamou ele. Não perderia nunca a chance de irritá-la.

- Morenas são. – Respondeu Andressa levemente indignada – Colombinas não!

- E posso saber por que colombinas não são espertas? – Ele perguntou, genuinamente surpreendido pela resposta.

- Porque se apaixonam por arlequins. – Respondeu simplesmente. Mas antes que ele pudesse responder, complementou – Pierrôs são melhores.

Rodrigo piscou duas vezes antes de compreender. A noite estava indo melhor do que o  esperado.

- E posso saber que pierrô você conheceu que era tão melhor assim que um arlequim? – Ele jamais perderia a chance de ver Andressa Borges dar o braço a torcer e admitir que ele era melhor do que o maldito Lucas.

- Humm... – A castanha fingiu pensar um pouco para depois fixar seus olhos cor de mel nos profundamente negros de Rodrigo – Talvez este bem na minha frente?

Andressa vinha observando Rodrigo a algumas semanas de forma muito diferente do que a de “apenas amigo”. Percebeu que o moreno não era aquilo que ela pensava e ouvia dos outros. Comparado a Lucas, que todos sempre comparavam com o “príncipe dos sonhos”, ele era o anti-herói da história. E Andressa, sempre preferiu os anti-heróis.

Uma vez, quando criança, sua mãe lhe contava um conto de fadas, e ela lhe perguntou por que as princesas nunca ficavam com o “bandido”. Sua mãe lhe dissera que era porque eles eram do mau. Mas ela nunca acreditou nisso. Sempre achou que para um homem chegar ao ponto de seqüestrar uma moça era porque era perdidamente apaixonado por ela, mesmo que usasse outros motivos para justificar o seqüestro. Outra verdade, ela sempre quis ser seqüestrada pelo “bandido”.

Rodrigo não pensou nem por meio segundo antes de dizer.

- Você não faz a menor idéia do porque de eu estar de pierrô?

- Você é imprevisível. – Ela pontuou – Como quer que eu saiba?

- Você ainda é morena, querida colombina! – Rodrigo zombou. Tinha a ligeira impressão de que ela queria que ele dissesse com todas as letras o porquê da fantasia. E tinha uma impressão maior ainda de que ela com toda a certeza já sabia.

- Você ainda é imprevisível, querido pierrô! – Andressa o imitou. Queria se deliciar com as palavras dele ao dizer que a fantasia era para ela. Ou, cavar um buraco ate a China se ele dissesse o contrário.

- Por causa de uma colombina morena, que é apaixonada por um arlequim estúpido, e como na história, no final o pierrô apaixonado vai chorar por não ficar com a colombina. – Rodrigo disse afastando-se ligeiramente dela e olhando para os pés. Sentia-se inseguro de repente ao expor seus sentimentos de forma tão clara, sem ter total certeza de ser correspondido.

- Você ouviu quando eu disse que colombinas eram burras por não ficarem com os pierrôs? – Andressa perguntou quase saltitante de felicidade, enquanto postava-se bem próxima a ele, levantando seu rosto para que a olhasse nos olhos. – Porque se não ouviu, eu posso repetir, meu querido pierrô.

Rodrigo sorriu para ela antes de puxá-la para o beijo tão esperado. Passaram um bom tempo nos jardins curtindo o momento a sós antes de resolverem voltar ao baile e mostrar para todos que aquela história de carnaval teria um fim diferente. Afinal de contas, ela era uma colombina, mas ainda assim ficaria com o pierrô e escreveriam, juntos, uma nova vertente para aquele conto de carnaval.



--------------------------------------------------------------

Meu primeiro conto, escrito para um projeto da escola ainda no meu primeiro ano (2009). 

Meio bobinho, mas não quis mudar muita coisa, mesmo que agora sinta um tanto de vergonha ao pensar que escrevi isso hahaha Mas ninguém começa já com contos geniais, não é mesmo? 

Então vou seguir a ordem dos contos que tenho salvo aqui, começando pelos mais antigos até  chegar nos de hoje, dos quais me orgulho mais. Espero que tenham paciência até lá!

Um beijão a todos! Por favor deixem comentários, sim? hehe ;**

Um comentário:

  1. Li o conto finalmente kkkkkkkk gostei bastante de algumas coisas, tipo o descritivismo que vc usa e tal, por exemplo quando falava da roupa dela. Ate pq eu tbm gosto bastante de fazer isso XD
    E a "trama" ficou bem bolada! ;)

    ResponderExcluir